La negra y la rosa - Juan Ramón Jiménez

"Una realidad invisible anda por todo el subterráneo, cuyo estrepitoso negror rechinante, sucio y cálido, apenas se siente. Todos han desejado sus periódicos, sus gomas y sus gritos; están absortos, como en una pesadilla de cansancio y de tristeza, en esta rosa blanca que la negra exalta y que es como la conciencia del subterráneo." - La negra y la rosa - Juan Ramón Jiménez

sexta-feira, 8 de abril de 2016

O mar.

Tenho um caso de amor com o mar. Caso antigo que não cabe em uma vida só. O mar me enche os olhos, entra por minhas narinas, meus poros, meus ouvidos. Me enche por todas as vias. Me pega na melancolia, cria memórias que nem sei ao certo se existiram ou não. O mar é sempre a pintura mais bonita. Quando eu avisto o mar meu coração galopa no peito pois sabe que muitas histórias aconteceram, acontecerão aí. Meu hiato mora por lá. Eu já não mais, mas cada vez que meu pensamento cruza com o mar borbulha em mim uma excitação juvenil como de um primeiro amor. Viver perto do mar é viver num filme bonito. O tempo se arrasta, passa devagar e eu torço para que demore, pra que nunca acabe.
Um dia eu estendi um pano vermelho e sentei pra ver o mar. Um mate amargo foi a escolha perfeita... Uma vida inteira vivi nesse dia e em cada dia que eu passo com o mar. Hoje acordei longe, mas a sensação é uma velha conhecida. Estou apagando aos poucos, preciso voltar, acordar, me espreguiçar sentindo o melhor cheiro do mundo, o cheiro que me puxa as melhores memórias. Não sei se poderia viver do mar, mas sei que não posso viver muito tempo sem ele.




Sobre a presença da ausência

Sim, o gris do céu ainda me toca. Há um qualquer dentro de mim insaciável buscando a cada nova música uma batida descompassada diferente das que coleciono. Tudo que é muito reto me cansa. Me encanta incertezas e mistérios.
As fotografias que me guardam, não guardam a mim, mas a um espectro do que fui um dia. Talvez nem melhor, nem pior; com menos tinta no corpo e menos cores na alma.
O tempo tem inúmeras vantagens, é um grande contador de histórias. Algumas vem à tona tão somente quando paramos o olhar através de uma janela. Contando as gotas da chuva uma a uma com uma xícara de chá e um incenso perfumando a memória. Sou fadada ao clichê. Há partículas universais que irão sempre me ganhar. E quão contraditório isso pode ser se ao mesmo tempo necessito de movimento e de mudanças?
Não existe "pause" no meu toca discos. Que o blues rasgue o silêncio do dia e me carregue pra bem longe. Nesse bem longe às vezes me perco em algum eu que já não caibo mais, mas tudo bem, eu gosto mesmo dessas visitas, dessas memórias, como quem assiste mil vezes o mesmo filme e se encanta toda vez.
Abro meu livro favorito do Eduardo Galeano e pondero se acendo ou não um cigarro.
Nesse hiato de segundos tão vagarosos e lentos, penso em todas as hesitações, vírgulas e adeus e me pergunto quando a roda da vida vai girar e me levar de novo pro oi que sinto tanta falta de te dar.
Talvez o cheiro do café me conforte enquanto o tempo não passa.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

SUNSHINE



Carregava duas estrelas no lugar dos olhos. Dois termômetros do alimento bruto de sua essência. Quando o brilho ameaçava fagulhar a falha, quando a ausência se mostrava possível presença, corria o mais rápido que pudesse - mesmo que parada - pra perto do que a consumia. 
Às vezes é necessário ser consumida pra ser restaurada. 
Um livro, um poema, uma frase, uma lembrança, uma laranja, um pau de canela, um chá fraco, um café forte - tudo e qualquer coisa. Menos a morte. 
A morte nunca foi criança. A morte não sabe brincar. Ela sim. E brinca quando pode e quando não deve. O raso não lhe serve.
Gosta da selvageria que é sentir a tessitura aloprada da caneta desenhando destinos, ideias, desatino. Correndo a mão pelo infinito branco da folha que lhe acolhe. Essa tatuagem em azul das coisas que nunca foram ditas e também das indizíveis era o portal de Aruanda, mas também o buraco negro.
De quando em vez as mãos dizem melhor e vão além, alcançam lugares, olhos e destinos que as bocas já não podem mais.
Esse além que se sobrepõe em camadas consegue de algum modo ouvir o que a caneta grita. Ela também. 
E, se mesmo assim, com todos estes dispositivos, um dia as estrelas não brilharem mais, ainda haverá a esperança do grande sol que carrega, renascer dentro de si.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Um Marlboro Light maço, moço, por favor.

Há dias em que jogo a isca só para ver se me pego.
Tento há anos entender qual é a dessa figura. Será que cada botão tem mesmo uma função? Quando é que nos formamos? Paramos completamente ou a deformação é contínua até o fim das primaveras? Quanto de cada andante que cruzou nossas passadas nos restou? Quanto levou? Quanto dos que ainda nos cruzam, atravessam, nos medem? Nos moldam?
Há lembranças que engavetei de pessoas que não vejo há  20 anos pelo menos... Outras de quem nem conheci. Ouvi, apenas. Há ainda de uns e outros que deixam nesses arquivos a forma exata da sombra que ocuparam enquanto presentes, em carne. E que nome dar a esta ausência presente?
***
O cigarro foi um dos meus melhores amigos, confidentes... Bem, até poucos dias. Romper este laço é algo dilascerante. Fazia parte de minha personalidade, mais que um adorno... Se tornou praticamente um membro místico, extenção em minha mão direita, como a faca que se empunha quando se parte à luta.
Foi meu consolo e minha celebração.
Hoje é apenas meu desejo, que quase primitivo me angustia. - Com quem travo guerras na tentativa de me convencer de que o café e a cerveja um dia serão tão bons quanto na companhia insubstituível de um Marlboro Light maço, por favor. 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

"Mesmo a quem não tem fé, a fé costuma acompanhar, pelo sim, pelo não."




Fé cega, fé que enxerga, fé que faz.

Todo ser humano possui fé.  A fé te faz caminhar, te faz prosseguir, te arranca esperança plantando sonhos, visualizando o futuro que você quiser. Não me refiro à religiões apenas. Fé em cada um, na amizade, nas pessoas e na bondade que ainda pode existir nesse mundo, fé na vida, em dias melhores.
Às vezes a fé se perde no meio do caminho. Mas isso nunca é por muito tempo nem deve ser definitivo. No entanto, para resgatá-la ou mantê-la é necessário alimentar a alma. Não é papo de gente pequena. A alma seca, enrijece, petrifica, descolore. E é exatamente com o oposto que se alimenta.
Alma precisa de cor, cheiro, sabor. Precisa de palavras bonitas, dias chuvosos, mar barulhento, gato carente, fruta suculenta, sanduíche quente, perfume amadeirado, flor aberta, brisa leve, temporal, luz apagada, vela acesa, casa limpa, casa cheia, lençol novo, livro novo, livro velho, um barzinho cheio de amigos, música favorita no replay, filme antigo passando na TV, uma temporada inteira do seriado favorito e pipoca com açúcar mascavo, uma xícara de chá quente e uma coberta xadrez no inverno, cheiro de comida de vó, pizza quente saindo do forno à lenha, um jardim florido, um girassol sorrindo, uma borboleta dançando no ar, um lenço colorido, um baralho preferido, um incenso forte, sal grosso pra trazer sorte, plantas em vasinhos diferentes, gente diferente, um óculos quadrado, outro redondo, um sofá espaçoso, rasgado ou até furado, um maço de cigarros, um avil amarelo, uma taça de vinho ou de espumante, um tempo só pra gente, gente simples contando histórias de um passado bonito, gente humilde dividindo o que tem, pauzinho de canela e cravos na sobremesa ou na bebida, grama cortada, terra molhada, um dia de folga, um dia rendido, rendado, remendado, cheio de rendas tecidas cada nó com muita fé...
...

“Andar com fé eu vou...que a fé não costuma falhar...”

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Uhr

Envelhecer é duro. Não tem nada de bonito. Olhando as ‘primaveras’ que já nos atravessaram, como num caleidoscópio bem colorido, vamos formando, tais quais cacos, imagens escorregadias que ainda de um modo ou outro perpassam nossos dias.  Há momentos espaçados, pequenos, que na selvageria da correria que se vive, ostentamos vez ou outra uns segundos num repleto oco,  um fragmento de segundo, quietos, sem que a vida perceba, desligamos o piloto automático, eficaz, produtivo e na marcha lenta processamos momentos. Pessoas que fizeram parte de sua vida.  Amigos que possivelmente possam ter contribuído em sua constituição. Músicas, filmes, histórias. Começa tudo colorido, feliz, você até esboça um riso. Às vezes não se contém e ri alto. Aí começa, bem devagar a desbotar... as lembranças ficam mais pardas... a tinta vai escorrendo e você quase pode senti-la pingar. E o seu riso largo ou mesmo tímido, seu olhar risonho... tudo começa a murchar, como se junto com aquelas fotografias que você imprimiu em sua memória, você fosse também sumindo, derretendo, deixando de existir. Agora é fato. Você definitivamente já não sorri. Não está triste, nem feliz, apenas pensativo. As imagens também já são definidas num cinza forte que brinca entre o branco e o preto, só de sacanagem. Envelhecer é se dar conta de que não possuímos ninguém, nem à nós mesmos, nem os outros nos possui. E que nessa ideia, muito provavelmente, todos os planos infindáveis que você ordenou para si que ocorressem, talvez nem metade deixem sua cabeça para se aproximar de uma situação real. E quanto mais o relógio urge, inebriados, não nos damos conta da brevidade da vida e da juventude. Um dia você acorda velha. Seu rosto tem rugas. Seus cabelos já não são tão uniformes. E você sente piamente uma sombra que dia a dia se aproxima mais de seu pisante, como que para tomar seu lugar, sua existência no mundo. Envelhecer é perceber, ao contrário do que se imagina, e acredite, isso é muito pior, que o corpo, a casca, envelhece mas sua alma não. Seus pensamentos não. Seus olhos que quase tudo vêem não. E aí? Quando a gente é novo, pensamos que nossos avós, por exemplo, não são apenas velhos por fora, mas também por dentro. E há uma sensação secreta que todos carregam mas ninguém comenta de que ao passo que vamos deixando nosso corpo para trás, vamos aceitando mais facilmente a ideia da morte. Do outro e a nossa também.


...
Isso não é verdade. Nunca foi. Nunca será. E é uma tristeza sem fim dar-se conta disto.



Remédio? Não há. Fugir? Não tem por onde. Tristeza? Pra piorar?

O que resta é preencher esse eco do oco, terminar de quebrar o caleidoscópio e esquecer. Chega de acumular pessoas, lembranças, amigos. A partir de hoje só carrego o que conseguir, o que puder. Não quero outro tipo de bagagem. Não posso mais. Não devo mais. Se for acrescentar algo, que sejam coisas bonitas e efêmeras. O vôo da borboleta azul do jardim, o beijo do beija-flor minúsculo. O pôr do sol do oeste, o cheiro do mar, do café, do cigarro, o abraço de mãe e o som de algumas risadas espaçadas que de tempo em tempo retornam aos meus ouvidos... porque melhor remédio que rir, não há.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Achados e perdidos de Valquíria.

Todo mundo dizia que Valquíria era excêntria, difícil de lidar. Ela bem sabia que a maioria das pessoas que pensavam isso dela mal sabiam o significado do que pronunciavam. Ela sim. Sabia bem das palavras. Valquíria podia dobrar, recortar, multiplicar, multifacetar uma unica palavra, desdobrá-la em uma nova língua se fosse o caso. Ela tinha um caso de amor com as palavras. Mas caso era o que as pessoas gostavam de fazer com Valquíria. As vezes pouco outras muito, até demais. De pouco em muito e de muito em pouco, Valquíria foi se acostumando com a pouca importância dessas pessoas em sua vida. Isso era o que ela gostava de dizer pra si mesma. Mas a verdade é que Valquíria sabia, que mesmo não concordando com as ideias dessas pessoas, ela precisava delas. Nem que ao menos fosse como parâmetro para saber que era melhor. Não que ela fosse o tipo esnobe. Longe disso. No fundo ela não se achava melhor que ninguém, só diferente.  Algumas vezes as pessoas achavam que ela era a mulher mais forte do mundo, as vezes, até ela acreditava por alguns instantes nisso...gostava mesmo que pensassem assim. Mas com o coração mareado ela bem sabia quão frágil era a menina lá dentro escondida, suscetível, exposta, encolhida a qualquer grito ou gesto mais forte que o seu. Isso bastava pra Valquíria se desmanchar igual sorvete esquecido na pia. Era assim mesmo que a menina tão forte e tão frágil se sentia de vez em quando, igual uma bola de sorvete de abacaxi, derrubada da casquinha. Eduardo chamava Valquíria de Val, dizia que era mais curto, mais fácil e gostava do som. Valquíria pensava e pensando se encaracolava pra longe muito longe e nesse longe, ouvia o Eduardo chamando-a de Val. O som lembrava válvula. É... ela achava mesmo que fosse uma válvula para as angústias do Eduardo. As vezes ela pensava que ele ficava com ela por comodismo... Eram tão diferentes.. Mas aí ela se encontrava nesse longe e lembrava que ele gostava do som de Val, mas então ela lembrava que Val lembrava tchau e ela achava mesmo que a qualquer instante eles iriam terminar. E aí Val, Valquíria... ficava triste, tão triste de murchar a alma igual uva passa. Valquiria não gostava de uva passa em panetone, mas ela gostava um bocado ao mesmo tempo em que ficava triste, em pensar que voltaria a ser dona do próprio nariz, igual chafariz de praça. Só que com essa mania de se perder nas palavras num longe quase infinito, ela já não tinha certeza do tamanho desse bocado que envolvia Eduardo.
Eduardo não se perdia nem longe, nem perto. Mas também não se achava. Eduardo só se perdia quando Valquiria ameaçava largar ele. Mas também era aí que Eduardo se achava e mostrava uma fenda que ela gostava de espiar. E espiando lá se perdia Valquiria de novo nos seus longes alí, bem perto do Eduardo.
Ela queria tanto que ele se perdesse com ela só um pouco. Não! Ela queria que ele se perdesse um bom tanto com ela. Fora assim, numa perdição que os dois se apaixonaram. Mas o tempo passou... Valquiria decidiu que queria mesmo se perder nas palavras. Eduardo por um quê aqui por um quê lá, achou melhor ficar em terra firme e se achar em outros prumos. Aquilo doía fundo no mareado de Valquíria. Mas quando fechava os olhos só via os dois, perdidos e separados. E quando Eduardo abria os olhos via os dois bem achados, sem riscos e juntos. Logo os riscos que enchiam a barriga de Valquíria de frios...logo os riscos!
Se Valquíria não era nem queria ser achada. Se Eduardo não queria mais se perder. Valquíria não sabia o que fazer.  Eduardo sabia o que não devia fazer, fazia mesmo assim, sem querer. Mas Eduardo não gostava de se pensar sem a Valquíria porque aí ele ficava todo perdido e isso dava um medo que gelava o umbigo do Eduardo e ele nao gostava disso não. Valquíria só sabia que como o ar lhe era essencial, assim também lhe era o frio do desconhecido em sua barriga.  O tempo não parou. Eduardo seguiu o planejado.  Valquiria se perdeu deliciosamente em vários caminhos e tudo que planejou concluiu o contrário. Também se encontrou. E tornou a se perder. Até entender que terra firme jamais seria eterna para seus pés. Sua morada era o mundo. Seu alimento, o da alma. Sua vida, a de cigana.

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