Envelhecer é duro. Não tem nada de
bonito. Olhando as ‘primaveras’ que já nos atravessaram, como num caleidoscópio
bem colorido, vamos formando, tais quais cacos, imagens escorregadias que ainda
de um modo ou outro perpassam nossos dias. Há momentos espaçados, pequenos, que na
selvageria da correria que se vive, ostentamos vez ou outra uns segundos num
repleto oco, um fragmento de segundo,
quietos, sem que a vida perceba, desligamos o piloto automático, eficaz,
produtivo e na marcha lenta processamos momentos. Pessoas que fizeram parte de
sua vida. Amigos que possivelmente
possam ter contribuído em sua constituição. Músicas, filmes, histórias. Começa
tudo colorido, feliz, você até esboça um riso. Às vezes não se contém e ri
alto. Aí começa, bem devagar a desbotar... as lembranças ficam mais pardas... a
tinta vai escorrendo e você quase pode senti-la pingar. E o seu riso largo ou mesmo
tímido, seu olhar risonho... tudo começa a murchar, como se junto com aquelas
fotografias que você imprimiu em sua memória, você fosse também sumindo,
derretendo, deixando de existir. Agora é fato. Você definitivamente já não
sorri. Não está triste, nem feliz, apenas pensativo. As imagens também já são
definidas num cinza forte que brinca entre o branco e o preto, só de sacanagem.
Envelhecer é se dar conta de que não possuímos ninguém, nem à nós mesmos, nem
os outros nos possui. E que nessa ideia, muito provavelmente, todos os planos
infindáveis que você ordenou para si que ocorressem, talvez nem metade deixem
sua cabeça para se aproximar de uma situação real. E quanto mais o relógio
urge, inebriados, não nos damos conta da brevidade da vida e da juventude. Um
dia você acorda velha. Seu rosto tem rugas. Seus cabelos já não são tão
uniformes. E você sente piamente uma sombra que dia a dia se aproxima mais de
seu pisante, como que para tomar seu lugar, sua existência no mundo. Envelhecer
é perceber, ao contrário do que se imagina, e acredite, isso é muito pior, que
o corpo, a casca, envelhece mas sua alma não. Seus pensamentos não. Seus olhos
que quase tudo vêem não. E aí? Quando a gente é novo, pensamos que nossos avós,
por exemplo, não são apenas velhos por fora, mas também por dentro. E há uma
sensação secreta que todos carregam mas ninguém comenta de que ao passo que
vamos deixando nosso corpo para trás, vamos aceitando mais facilmente a ideia
da morte. Do outro e a nossa também.
...
Isso não é verdade. Nunca foi. Nunca
será. E é uma tristeza sem fim dar-se conta disto.
Remédio? Não há. Fugir? Não tem por
onde. Tristeza? Pra piorar?
O que resta é preencher esse eco do oco,
terminar de quebrar o caleidoscópio e esquecer. Chega de acumular pessoas,
lembranças, amigos. A partir de hoje só carrego o que conseguir, o que puder.
Não quero outro tipo de bagagem. Não posso mais. Não devo mais. Se for
acrescentar algo, que sejam coisas bonitas e efêmeras. O vôo da borboleta azul
do jardim, o beijo do beija-flor minúsculo. O pôr do sol do oeste, o cheiro do
mar, do café, do cigarro, o abraço de mãe e o som de algumas risadas espaçadas
que de tempo em tempo retornam aos meus ouvidos... porque melhor remédio que
rir, não há.
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