La negra y la rosa - Juan Ramón Jiménez

"Una realidad invisible anda por todo el subterráneo, cuyo estrepitoso negror rechinante, sucio y cálido, apenas se siente. Todos han desejado sus periódicos, sus gomas y sus gritos; están absortos, como en una pesadilla de cansancio y de tristeza, en esta rosa blanca que la negra exalta y que es como la conciencia del subterráneo." - La negra y la rosa - Juan Ramón Jiménez

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Achados e perdidos de Valquíria.

Todo mundo dizia que Valquíria era excêntria, difícil de lidar. Ela bem sabia que a maioria das pessoas que pensavam isso dela mal sabiam o significado do que pronunciavam. Ela sim. Sabia bem das palavras. Valquíria podia dobrar, recortar, multiplicar, multifacetar uma unica palavra, desdobrá-la em uma nova língua se fosse o caso. Ela tinha um caso de amor com as palavras. Mas caso era o que as pessoas gostavam de fazer com Valquíria. As vezes pouco outras muito, até demais. De pouco em muito e de muito em pouco, Valquíria foi se acostumando com a pouca importância dessas pessoas em sua vida. Isso era o que ela gostava de dizer pra si mesma. Mas a verdade é que Valquíria sabia, que mesmo não concordando com as ideias dessas pessoas, ela precisava delas. Nem que ao menos fosse como parâmetro para saber que era melhor. Não que ela fosse o tipo esnobe. Longe disso. No fundo ela não se achava melhor que ninguém, só diferente.  Algumas vezes as pessoas achavam que ela era a mulher mais forte do mundo, as vezes, até ela acreditava por alguns instantes nisso...gostava mesmo que pensassem assim. Mas com o coração mareado ela bem sabia quão frágil era a menina lá dentro escondida, suscetível, exposta, encolhida a qualquer grito ou gesto mais forte que o seu. Isso bastava pra Valquíria se desmanchar igual sorvete esquecido na pia. Era assim mesmo que a menina tão forte e tão frágil se sentia de vez em quando, igual uma bola de sorvete de abacaxi, derrubada da casquinha. Eduardo chamava Valquíria de Val, dizia que era mais curto, mais fácil e gostava do som. Valquíria pensava e pensando se encaracolava pra longe muito longe e nesse longe, ouvia o Eduardo chamando-a de Val. O som lembrava válvula. É... ela achava mesmo que fosse uma válvula para as angústias do Eduardo. As vezes ela pensava que ele ficava com ela por comodismo... Eram tão diferentes.. Mas aí ela se encontrava nesse longe e lembrava que ele gostava do som de Val, mas então ela lembrava que Val lembrava tchau e ela achava mesmo que a qualquer instante eles iriam terminar. E aí Val, Valquíria... ficava triste, tão triste de murchar a alma igual uva passa. Valquiria não gostava de uva passa em panetone, mas ela gostava um bocado ao mesmo tempo em que ficava triste, em pensar que voltaria a ser dona do próprio nariz, igual chafariz de praça. Só que com essa mania de se perder nas palavras num longe quase infinito, ela já não tinha certeza do tamanho desse bocado que envolvia Eduardo.
Eduardo não se perdia nem longe, nem perto. Mas também não se achava. Eduardo só se perdia quando Valquiria ameaçava largar ele. Mas também era aí que Eduardo se achava e mostrava uma fenda que ela gostava de espiar. E espiando lá se perdia Valquiria de novo nos seus longes alí, bem perto do Eduardo.
Ela queria tanto que ele se perdesse com ela só um pouco. Não! Ela queria que ele se perdesse um bom tanto com ela. Fora assim, numa perdição que os dois se apaixonaram. Mas o tempo passou... Valquiria decidiu que queria mesmo se perder nas palavras. Eduardo por um quê aqui por um quê lá, achou melhor ficar em terra firme e se achar em outros prumos. Aquilo doía fundo no mareado de Valquíria. Mas quando fechava os olhos só via os dois, perdidos e separados. E quando Eduardo abria os olhos via os dois bem achados, sem riscos e juntos. Logo os riscos que enchiam a barriga de Valquíria de frios...logo os riscos!
Se Valquíria não era nem queria ser achada. Se Eduardo não queria mais se perder. Valquíria não sabia o que fazer.  Eduardo sabia o que não devia fazer, fazia mesmo assim, sem querer. Mas Eduardo não gostava de se pensar sem a Valquíria porque aí ele ficava todo perdido e isso dava um medo que gelava o umbigo do Eduardo e ele nao gostava disso não. Valquíria só sabia que como o ar lhe era essencial, assim também lhe era o frio do desconhecido em sua barriga.  O tempo não parou. Eduardo seguiu o planejado.  Valquiria se perdeu deliciosamente em vários caminhos e tudo que planejou concluiu o contrário. Também se encontrou. E tornou a se perder. Até entender que terra firme jamais seria eterna para seus pés. Sua morada era o mundo. Seu alimento, o da alma. Sua vida, a de cigana.

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