La negra y la rosa - Juan Ramón Jiménez

"Una realidad invisible anda por todo el subterráneo, cuyo estrepitoso negror rechinante, sucio y cálido, apenas se siente. Todos han desejado sus periódicos, sus gomas y sus gritos; están absortos, como en una pesadilla de cansancio y de tristeza, en esta rosa blanca que la negra exalta y que es como la conciencia del subterráneo." - La negra y la rosa - Juan Ramón Jiménez

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um raio de sol

Ourives sempre fora um menino quieto. Sentava-se todo dia às 18h, assim, logo no finalzinho do dia e parava bem quieto, mais ainda que de costume, para ouvir o derreter do sol se desmanchando no horizonte.


Acreditava que o sol era feito de ouro, e, portanto, a cada dia ao derreter, caíam gotinhas lá de cima em pingos de ouro cá no chão. E era desses pingos que surgiam os anéis, os brincos e as correntes. Bem, isso era o que o menino pensava!

Ourives pensava muito. E pensava tanto que pensava alto, e quanto mais pensava, mais corda dava pro pensamento que levava ele pra longe, longe sem sair do aqui e do agora. E esse trajeto dava um cansaço danado no menino, que ele ia ficando assim, murchinho, encolhido e acabava que não falava nem saía mais do lugar.

Os pais do garoto achavam que ele era triste ou que tinha problemas mais sérios. Levaram o pobre de lá pra cá, de cá pra lá de um lá a um cá de dar dó. Os médicos davam explicações mais absurdas e enroladas que as voltas do pensamento do menino.

Sem solução a vida daquela família continuava assim, com Ourives abismado com a confusão toda e desânimo de seus pais.

O problema é que de tanto pensar, Ourives acabava pensando alto achando que havia falado e que as pessoas eram surdas ou não davam importância para suas palavras.

Então o menino teve uma idéia mais brilhante que os pingos amarelos que caiam do céu. Pensou que se ninguém ouvia suas palavras, quem sabe olhassem para seus desenhos.

E Ourives começou a lapidar os sóis mais amarelos e brilhantes que todo o mundo vira até então!

Seus desenhos enchiam de um amarelo-ouro toda a parede azul do quarto, bem como enchiam os pais de Ourives de um orgulho bem vivo. Mas quão mais brilhantes eram os desenhos de Ourives, cheios de amarelos, laranjas, vermelhos, mais desbotado ficava o menino.

E eis que Ourives foi ficando fraco, adoecido, mas sempre de uma felicidade radiante. E lá foi de novo os pais do menino levando-o de um lado a outro para descobrir aquele desbotamento descabido. E os corações aflitos dos pais de Ourives ficaram ainda mais descompassados, ainda mais espremidos.

Uma noite, desanimados, na cama, prontos para dormir, os pais do menino ouviram uma gargalhada assim toda espalhada como quem faz cócegas até o outro chorar de rir. Mas os pais de Ourives paralisaram e não foi de graça, mas de medo. Sabiam que havia algo errado. E ouviram Ourives cantar de um pulmão cheio como nunca havia feito antes, como faz o galo ao anunciar o raiar do dia.

E assim se fez. Quando os pais de Ourives chegaram ao quarto do menino ele já não respirava: começava a esfriar. Mas o estranho é que um largo sorriso se espalhava na face do garoto como um gato preguiçoso a acordar. Foi então que eles entenderam que Ourives era o próprio sol. O sol da vida deles, e amaram-no como nunca num riso meio aberto, meio chorado, meio abraçado sob a cama do menino.

A partir de então, todas as manhãs que se seguiram, os pais de Ourives acordavam antes de o dia raiar como num ritual para ver o filho, acordando.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Insatisfação Crônica


Pedro tinha os braços maiores que o corpo. Pedro tinha muita pressa. Passava os dias trabalhando, estudando para o dia em que teria alcançado todos os seus objetivos, então, Pedro pararia. Pararia para viver. Enquanto não parava, Pedro ia seguindo com seus longos braços abraçando tudo que podia para dar jeito, para consertar, para cuidar, para ajudar, para sofrer junto, para se preocupar, para amar.


Amar Pedro bem sabia. Era sua maior virtude e mais intenso defeito. Quando Pedro se apaixonava se entregava total. Sua primeira grande paixão fora pelos personagens de cinema, de romance e das músicas. Pedro acreditava que seria uma estrela do rock.

Depois veio a primeira namoradinha do colégio. Namorico rápido, mas de emoções intensas, com juras de amor e ódio eterno. Eis que veio o que Pedro considerou o grande amor de sua vida e seu carma. Um namoro longo, cheio de complicações, de vai-e-vem, de madrugadas intermináveis ao telefone com brigas, pontapés, desconfianças e também, de muitas aventuras. Achou que com essa seria para valer... tantos anos. Mal sabia Pedro que encheria mãos e dedos com relacionamentos que acabavam quase todos do mesmo jeito.

Pedro se dá conta de um problema muito difícil de ser solucionado: insatisfação crônica. Nunca, nem por um segundo Pedro conseguia se lembrar de um momento em que deitara a cabeça no travesseiro e dissera para si mesmo –“como sou feliz, não preciso de mais nada.”. Ele bem que tentava, ninguém pode negar, mas logo ia começando uma coceira na pontinha do estômago. Aquela coceira mansinha logo se tornava insuportável com vários planos mirabolantes surgindo e emergindo pelos seus poros. Tão insuportável que Pedro logo tinha que dar um novo passo.

Deixava a namorada, mudava de emprego, de cidade, de cabelo. Mudava de casa, de esquina, de gosto. Só não mudava de rosto. O rosto mantinha os mesmos velhos traços, que não eram tão velhos, Pedro quase não tinha rugas. Elas só apareciam em dois momentos: ao sol e ao pensamento. Depois sumiam.

Pedro tinha sim rugas de preocupação: e se não der certo? E se eu não conseguir? E se ele morrer? E se eu falir? Mas elas logo davam lugar às lágrimas que lhe saltavam dos olhos puxados por uma lembrança bonita de um avô querido ou de um cheiro de café. Ou mesmo por um filme incrível desses que fazem a gente desejar com todas as nossas forças ser igual ao mocinho ou ao vilão. É... Pedro era bom moço, de um coração mais largo que o mar, mas tinha uns olhos que só poderiam ser mesmo de vilões. Eram olhos grandes, fortes, castanhos, com longos cílios curvados que ao mirarem, paralisavam.

Pedro aguardava o fim do próximo relacionamento. Cansava tão rápido das pessoas que achava a solidão o presente mais confortável do mundo inteiro. Por isso mesmo amava a profissão efêmera de fotógrafo. E como sabia captar o momento exato. Para ele, a vida seria perfeita, fosse um mural de fotos todas mágicas, mas sem conexão, sem inter-relação.

Isso poderia parecer frio, mas a verdade é que Pedro se preocupava tanto com os outros que esquecia de si. Esquecia até de ser feliz e às vezes de fazer xixi! Maldita retenção de líquidos! Precisava mesmo tomar mais chá verde.

Mas teve um dia que Pedro estava namorando novamente um caso antigo. E a menina ora insegura, ora corada, dona de si; conta de supetão ao Pedro que ele será pai. Aquilo foi mesmo um golpe, um choque, Pedro achou que vomitaria seu coração e pulmões. E agora? Como alguém que se sente ainda tão filho pode ser pai?

E a barriga foi crescendo, e os nomes surgindo, e as roupinhas acumulando e os planos lindos nascendo. Pedro era, enfim, pai. E aquele desassossego que apertava todo Pedro num nó interno, fora se desmanchando, amolecendo... E Pedro descobrira enfim, que não possuía braços enormes não, só possuía braços de quem nasceu para abraçar os sonhos e ser carregado pela vida, só possuía braços de pai.

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